sábado, 3 de outubro de 2015

Quebre o espelho!

"Quebre o espelho!" - foi esse o conselho que ouvi de um homem muito sábio, certa vez. Mas não entendi bem na hora, até porque, conforme a superstição, quebrar o espelho é ter sete anos de azar. Porém, nesse caso, o espelho não quebrado é que traz azar pra vida. E de que espelho se trata? Precisamente daquele que se põe entre o eu e o outro. Pode ser que nas nossas relações cotidianas entramos neste mecanismo de espelhamento, o que não é nada bom. Passamos a ver não o outro na sua alteridade, mas um reflexo de nós. Queremos que outro espelhe, isto é, que seja uma cópia de nós - dos nossos projetos frustrados, de nossos desejos não realizados... Eis um problema!

O fenômeno das "relações espelhadas" é mais comum do que se pensa. Por exemplo, os pais que projetam no filho os seus sonhos. Aquele filho é espelho para seus sonhos  e desejos mais internos. Os pais não reconhecem a alteridade de seu filho, não percebe que ele é outro absoluto em relação a eles, que não dá para fundi-lo em suas personalidades. Do mesmo modo acontece entre amigos. Inúmeras vezes as decepções com os amigos acontecem porque esperamos deles aquilo que esperamos de nós mesmos e, como nem eles nem  nós damos conta de "cumprir" as expectativas, acabamos duplamente decepcionados. E entre casais de namorados? O processo se repete. É muito comum perceber que entre casais a constituição da individualidade é delegada ao outro e, nesta fusão, perde-se a distinção eu-tu em função de um nós. "Ser uma só carne" como manda a escritura não é ser um só indivíduo. Aliás, é na distinção, na diferença entre os pares que é possível falar em relação - caso contrário, continua havendo identificação e não relação!

O que está por trás desse problema é a questão da separação. Entender que somos separados uns dos outros - o que significa dizer que estamos/somos sozinhos, solitários, imersos naquilo que se denomina "eu". O meu "eu" não pode ser comunicado nem transferido a ninguém - é meu "eu". E esta "egoidade" nossa não pode cair na falácia do espelho. Pensar que para haver amor entre pais e filhos, entre amigos ou namorados é necessário que sejam cópia um do outro é um verdadeiro engano. A relação acontece, justamente, na fissura, na fenda, no abismo que há entre eu e tu. Somente nesta distância é que pode nascer o amor de um-pelo-outro.

É por isso que às vezes amar alguém é tão complicado. O amor sempre se enreda nessa trama de egoísmos própria de quem não se descobre "eu" livre e separado. O amor tem um desejo de fusão que  lhe é próprio, mas que não obriga a fundir. Aliás, se há fusão, o desejo desaparece. Se o desejo desaparece, o amor, consequentemente, também some. Trabalhar estas questões em nós é urgente. Caso contrário, ficaremos reféns deste espelho. É hora de quebrá-lo, não?


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