sábado, 22 de agosto de 2015

Precisamos falar sobre suícidio

Existe um grande tabu na sociedade em geral que nos impede de falar em suicídio. Alguns estudos indicam que se a mídia noticiar ou tratar do assunto, isso pode motivar muitas pessoas a cometê-lo. Na minha concepção, um grande engano. Tabus devem ser "destabulizados" e, por isso, resolvi escrever este texto. Também me motivam as muitas mortes acontecidas por suicídio em Itapecerica, minha cidade natal que tanto amo e os muitos amigos e conhecidos que acabei perdendo por conta do suicídio. Gostaria de deixar claro que escrevo me dirigindo a toda a sociedade, porque todo cidadão é responsável pelos atos suicidas. Explico: a culpa não é apenas de quem se mata, mas de toda a conjectura social que envolve um suicida potencial e que pode, inclusive, contribuir para tal. Escrevo de três lugares: como filósofo, cristão cristão e como alguém que já passou pela experiência da depressão. É daqui que quero me dirigir aos leitores.

Uma triste estatística
A primeira lembrança que tenho de suicídio remonta a um episódio da minha infância. Minha mãe perdeu uma amiga, que estando muito deprimida, cometeu suicídio. Lembro-me de várias cenas, inclusive do sofrimento de minha mãe. Por razões éticas não revelarei o nome. Mas posso dizer que aquele episódio me marcou. Hoje, continua a marcar a estatística que é pouco divulgado: a cada 40 segundos uma pessoa se mata no mundo. Certamente, quando você terminar de ler este texto duas ou três pessoas já vão ter morrido pelas próprias mãos. Algo muito triste. E pior é ver que esta estatística foi engordada por amigos e pessoas próximas... Uma lástima. A estatística continua revelando o perfil dos suicidas: atinge todas as idades, mas destaque para os 40% de jovens entre 14-25 anos que se matam. E deste 40%, 70% de jovens em situação marginal (pobreza, homossexualidade, drogas ou crime).

O que está na cabeça de um suicida?
É difícil prever com exatidão o que esteja nas motivações internas para um suicídio. Já acompanhei casos que iam desde uma tentativa de "chamar a atenção" de alguém até a total perda de sentido para a vida. Em comum, todas as pessoas vivem um drama existencial que, aos olhos da família, amigos e da própria sociedade pode parecer "manha" ou  "frescura", mas que no psiquismo da pessoa é do tamanho de um elefante. Dívidas, não aceitação, um coração partido são coisa por trás do suicídio. Mas também pessoas perfeitamente normais podem cometer um suicídio, embora seja menos comum. O fato é que as pessoas geralmente dão sinais. E o problema é que nem sempre ficamos atentos ou nos importamos com esse fato.


A psicóloga Karen Scavacini, cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, afirma que além dos sinais diretos que a pessoa emite quando tem a intenção de se matar – falar explicitamente que quer morrer, por exemplo – alguns sinais indiretos também podem ser percebidos. “A pessoa começa a se despedir de parentes e amigos, pode apresentar muita irritabilidade, sentimento de culpa, choros frequentes. Também pode começar a colocar as coisas em ordem e ter uma aparente melhora de um quadro depressivo grave, de uma hora para outra. Muitas vezes, isso significa que já se decidiu pelo suicídio, por isso fica mais tranquila. É a falsa calmaria”, diz. Comportamentos de risco desnecessários podem ser observados nesse período. O que falta é sensibilidade e levar a sério estas "ameaças" que podem, de fato, se concretizar.

O suicídio resolve os problemas?
É necessário dizer, com toda franqueza, que a opção pelo suicídio gera um alívio para a pessoa. Aparentemente resolve todos os problemas temporais. Mas o que a pessoa não imagina é o problema que isso gera para os que ela deixa. Familiares, amigos e mesmo a comunidade na qual se insere vive um drama imenso. Talvez este fosse o seu desejo: despertar a culpa... Ainda que seja esta a razão, uma pessoa que pensa se matar deveria antes ser ajudada a enxergar qual as razões para se viver, e ainda que se lhe falte tais razões, uma terapia e acompanhamento psiquiátrico podem colaborar e muito para diminuir o quadro depressivo. A morte não resolve os problemas. Poder-se-ia indentificá-la como uma espécie de fuga ou de refúgio egoísta que não corresponde à natureza humana marcada pela liberdade e pelo bem.

Um olhar cristão sobre a situação...
Os cristãos deveriam ter uma especial atenção por este problema que afeta todas as sociedades. As Igrejas, especialmente a Igreja Católica, cuja instituição remonta à  mais de dois milênios, deveriam estar atentas à questão não apenas do ponto de vista moral, mas pastoral. Por isso, o olhar cristão que gostaria de lançar para o suicídio parte da misericórdia e da defesa da vida e não tanto da moral. Uma pessoa em suicídio potencial deve ser acolhida, acompanhada e vigiada (sim! vigiada!). Os pastores da igreja bem como os demais fiéis devem ajudar a família no encaminhamento para o psiquiatra ou um terapeuta. Seria pecado de omissão um sacerdote, que, ao ouvir um desabafo ou mesmo a confissão de um suicida potencial ficasse quieto e não lutasse para dissuadi-lo por vias caridosas ou mesmo acionar a família ou um psiquiatra. Um sacerdote que apenas ouve e dá conselhos, mas que não age concretamente para ajudar tal pessoa,  caso ela venha suicidar-se, terá  de responder a Deus pela vida dela. O suicídio não acontece na liberdade pessoal das decisões e isso é claro. Uma pessoa deprimida ou subjugada não tem capacidade intelectual para discernir sobre nada. Santo Inácio já dizia para não se tomar decisões drásticas na crise. E uma pessoa que pensa se matar está em crise.

Todos somos responsáveis
Não apenas a Igreja, mas todos os setores da sociedade civil deveriam se preocupar com esta questão. A começar pelo debate sério e aberto para dar a este tabu o devido lugar na sociedade. Ações dos governos em prol do lazer, da cultura e da informação também são bem-vindas. Instituições filantrópicas devem facilitar o acesso aos psiquiatras e à informação promovendo fóruns, palestras e porque não, falando abertamente sobre a questão. E toda pessoa que acompanha um caso de depressão ou suicídio potencial deve oferecer presença, carinho e paciência para com a pessoa. Não deverá jamis subestimar sua capacidade. Deverá ajudar em tudo, até o esgotamento de suas forças, para que a pessoa não se mate. Porque a escolha pela vida é fundamental e está inscrita no coração de cada homem. Uma opção pela morte jamais será deliberada racionalmente e de bom grado. Ninguém tem o direito de se matar.

Peço desculpas pela extensão do texto e por não tê-lo fundamentado adequadamente. Poderia citar filósofos, estudiosos da área psiquiátrica e outras fontes adequadas, mas preferi escrevê-lo livremente. A vida dos meus amigos e de todas as pessoas que se foram pelo suicídio não é uma prioridade acadêmica. Antes, é uma razão do coração, e por isso, precisamos lutar até a última gota de suor para que esta estatística diminua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário e ajude-nos a evangelizar!