sábado, 19 de setembro de 2015

A força do servo sofredor

Um texto bíblico que sempre me incomodou bastante é aquele de Isaías 50, 5-9a conhecido como primeiro cântico do Servo do Senhor ou do servo  sofredor. Parece um elogio à dor ou ao sofrimento, ou ainda o canto de um masoquista que se compraz em apanhar... vejamos o texto:

O Senhor Deus abriu-me o ouvido e eu não relutei, não me esquivei. Aos que me feriam, apresentei as costas, e as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o rosto dos bofetões e cusparadas.Mas o Senhor Deus vem em meu auxílio: eis por que não me senti desonrado; enrijeci meu rosto como uma pedra, convicto de não ser desapontado.Aquele que me fará justiça aí está. Quem ousará atacar-me? Vamos medir-nos! Quem será meu adversário? Que se apresente!O Senhor Deus vem em meu auxílio: quem ousaria condenar-me? Cairão em frangalhos como um manto velho; a traça os roerá.

Como eu disse, este texto me incomodava. E com ele toda a interpretação da tradição da Igreja que vê, nesta passagem, a imagem de Jesus: o servo que sofre por amor e que, "calado", vai ao matadouro. No fundo, o grande incômodo que tinha era o fato de que Jesus, tal qual o servo da profecia de Isaías, não reagiu nem rebateu às injustas acusações que lhe faziam. Ele não desviou o rosto dos bofetões e cusparadas - algo impossível, já que desviar o rosto é um ato reflexo, incontrolável e próprio da nossa auto-defesa natural. E por que Jesus - servo sofredor - não se defende? Por que Jesus não mostra seu poder e sua autoridade? Por que esta passividade diante das injúrias?

O autor sagrado não faz uma apologia ao masoquismo e o próprio Jesus não foi um masoquista a ponto de ser levado para o abate sem dizer uma palavra. Essa aparente covardia de Jesus esconde preciosas lições. A primeira delas é que diante de quem nos acusa há sempre uma tentativa de defesa, de levantar a voz mais alto. O servo Jesus não se preocupou com isso porque tinha duas certezas que alimentavam seu coração: a primeira é a que Deus não desampara ninguém e a segunda é que Ele sabia quem Ele era. O que os outros diziam dele não lhe importava tanto. Sua consciência limpa e autêntica diante do Pai lhe dava uma dose suficiente de amor próprio para agir com serenidade diante das injustiças. É por isso que só consegue enfrentar seus adversários quem está em paz consigo e quem se conhece de verdade (se conhece e se aceita e se respeita!).

A segunda lição do Servo Sofredor é que a violência gera mais violência. Nossa atitude diante dos conflitos deve ser sempre a de pacificador. O algoz quer a guerra. O algoz quer nossas reações violentas para ter mais motivos de nos apedrejar... O silêncio "covarde" de Jesus só é realmente covarde para o mundo que quer sangue. Sofrer calado, nesse caso, significa lutar pela paz. É aquela política de "não-violência" que incomoda tanto ou mais os que querem guerrear.

A terceira e última lição que recolho deste texto é que só é possível agir em nome da Paz desse modo quem deixa Deus abrir os seus ouvidos. E Deus abre-nos o ouvido para que ouçamos a sua voz majestosa e misericordiosa, mas também para escutar nossas próprias demandas interiores, nosso eu sufocado pelas estruturas cotidianas, nossas próprias lamentações. Deus nos abre o ouvido para que ouvindo a Ele e a nós mesmos sejamos capazes do amor próprio, tão necessário e tão urgente em nossos tempos. 

A covardia de Jesus, não é, nada mais que sua fortaleza. Seu silêncio é sua defesa. E sua passividade é o sinal de sua auto segurança e confiança no Pai que é seu "Auxiliador".

Seu irmão,
Gregory Rial

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