O que se
pode pedir a Deus? No livro do Gênesis, parece que insistir mais e mais,
pedindo descontos, pode ter uma “fundamentação bíblica”! Trata-se de Abraão, o
pai da fé (Gn 18, 20-32), apelando à misericórdia de Deus, diante da iminente
destruição de uma cidade pecadora. Cinquenta justos, quarenta e cinco,
quarenta, trinta, vinte ou dez! A coragem do homem que aposta tudo em Deus e
deseja que a cidade não seja destruída. De fato, pode-se pedir tudo a Deus, que
pensa em tudo e muito mais para seus filhos. Sabemos também que, por conhecer
muito bem a humanidade, Ele é justo e bom para ouvir, acolher e atender do modo
melhor para a salvação das pessoas e o bem da humanidade. Mesmo quando
aparentemente não nos atende, no arco da vida das pessoas e na história, tudo
concorre para o bem dos que o amam (Cf. Rm 8, 29). E amá-lo é o ponto de
partida da oração.
A
insistência de quem bate à porta de um amigo à meia-noite (Lc 11, 1-13) aponta
para a confiança para se aproximar do Pai de todos os dons: “Pedi e vos será
dado; procurai e encontrareis; batei e a porta vos será aberta. Pois todo
aquele que pede recebe; quem procura encontra; e a quem bate, a porta será
aberta” (Lc 11,9-10). O máximo do que o Pai pode e efetivamente oferecer é o
dom do Espírito Santo, penhor da realização de todas as promessas de seu Filho
Amado. Ele faz dizer “Jesus é o Senhor” (1 Cor 12,3) e põe em nossos lábios a
invocação do Pai (Gl 4,6)!
Para orar
assim, é preciso aprender a rezar, voltando sempre de novo a conhecer esta arte
dos próprios lábios do divino Mestre, como os primeiros discípulos: “Senhor,
ensina-nos a orar” (Lc 11,1). Na oração, acontece aquele diálogo com Jesus que
faz de nós seus amigos íntimos: “Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós”
(Jo 15,4), que é a alma da vida cristã. Obra do Espírito Santo em nós, a oração
abre-nos, por Cristo e em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender a
oração cristã é o segredo de uma vida cristã verdadeira, sem motivos para temer
o futuro. As comunidades cristãs devem tornar-se autênticas “escolas de
oração”, em que o encontro com Cristo se exprima em pedidos de ajuda, ação de
graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, afetos de alma, até chegar a
uma oração intensa, sem se afastar dos compromissos do dia a dia. E ao abrir o
coração ao amor de Deus, a oração autêntica abre também ao amor dos irmãos,
tornando-nos capazes de construir a história segundo o desígnio de Deus (Cf.
Novo Millenio Adveniente 32-33). O mestre autêntico na escola da oração é o
próprio Senhor Jesus, a quem os discípulos recorrem.
As lições
se encontram no “Pai Nosso”. Começam com o reconhecimento da paternidade de
Deus e se desdobram em sete pedidos. A oração ao “nosso Pai” é um bem comum e
um apelo urgente para todos os cristãos. Nós o invocamos, porque o Filho de
Deus feito homem nos revelou. Rezar ao Pai “nosso” deve desenvolver em nós a
vontade de nos assemelharmos a ele e ter um coração humilde e confiante. Os
“Céus” da oração não apontam para um lugar, mas para a majestade de Deus e sua
presença no coração dos fiéis. O Céu, Casa do Pai, é a verdadeira pátria para
onde nos dirigimos e à qual pertencemos (Cf. Catecismo da Igreja Católica
2777-2865).
Os três
primeiros pedidos buscam a glória do Pai: a santificação de seu Nome, a vinda
do Reino e o cumprimento da Vontade divina. Os outros quatro apresentam nossos
desejos, que dizem respeito à nossa vida, para nutri-la ou curá-la do pecado, e
buscam a vitória do Bem sobre o mal.
“Santificado
seja o vosso Nome”. Pedimos o reconhecimento do nome de Deus como santo! Em
Jesus, o nome do Deus santo nos é revelado por aquilo que Ele é, por sua
Palavra e seu Sacrifício. E a santidade de Deus nos chama à santidade, pois
fomos lavados, santificados e justificados em nome de Jesus Cristo e pelo
Espírito Santo (Cf. 1 Cor 6, 11).
“Venha a
nós o vosso Reino”. O Reino de Deus existe antes de nós, aproximou-se no Verbo
encarnado, é anunciado ao longo do Evangelho, veio na Morte e na Ressurreição
de Cristo, está no meio de nós e virá na glória, quando Cristo voltar em sua
glória! Pedimos o Reino de Deus que é justiça, paz e alegria no Espírito Santo
(Rm 14, 17).
“Seja feita
a vossa Vontade, assim na terra como no céu”. Deus é Senhor da Vida e da
história. A primeira, a última e definitiva palavra sobre a história do universo
pertence a Ele e sua vontade é que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da
verdade (Cf. 1 Tm 2, 3-4). A nós cabe a maravilhosa aventura de buscar e
converter-nos a esta vontade. Pela oração é que podemos discernir qual é a
vontade de Deus e obter a perseverança para cumpri-la.
“O pão
nosso de cada dia nos dai hoje”. Confiança de filhos que tudo esperam do Pai,
que é bom para além de toda bondade! O Pai providente (Cf. Mt 6, 25-34), que
nos dá a vida, não pode deixar de nos dar o alimento necessário à vida, todos
os bens necessários materiais e espirituais. Mas se pedimos o Pão “nosso”, nos
abre o desafio da partilha, por amor, para que a ninguém falte o pão. Ma há uma
fome não de pão nem sede de água, mas de ouvir a Palavra (Cf. Am 8, 11)! O quarto
pedido nos conduz ao Pão da Vida, a Palavra de Deus acolhida na fé e o Corpo de
Cristo na Eucaristia. E a ousadia da oração chega ao auge da confiança quando
pede para “hoje”!
“Perdoai-nos
as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido”. Nossa
oração se volta para o Pai, para confessar nossa miséria e a sua misericórdia!
Mas para participar do fundo do coração no amor de Deus, haveremos de ter os
seus mesmos sentimentos. Por isso temos a coragem de condicionar seu perdão à
nossa capacidade de perdoar!
“Não nos
deixeis cair em tentação” envolve uma decisão do coração, um consentimento dado
ao Espírito Santo, para não enveredarmos pelo caminho que conduz ao pecado e
perseverarmos até o fim.
“Mas
livrai-nos do mal”. A vitória sobre o “príncipe deste mundo” (Jo 14,30), o
Maligno, foi alcançada uma vez por todas na Páscoa de Cristo. Ao pedir que o
Pai nos livre do Maligno, pedimos a libertação de todos os males presentes,
passados e futuros. Toda a miséria do mundo é apresentada ao Pai, para implorar
o dom precioso da paz e a graça de aguardar, na esperança, a vinda do Cristo
Salvador!
Tudo o que
for parecido com esta oração é próprio de cristão! Podemos então “usar e
abusar” no maravilhoso “Bazar da Pechinha” da misericórdia infinita do Pai!
Pequenas e intensas lições, feitas para acompanhar toda a nossa vida de oração,
dirigindo-nos ao Pai, a quem pertence o Reino, a glória de seu Nome e o Poder
de sua Vontade salvífica! Amém! Que isto se faça!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário e ajude-nos a evangelizar!