Um conto dos padres do deserto diz que certo monge, vendo a morte chegar,
pediu aos seus companheiros que lhe trouxessem a chave do céu: queria morrer
agarrado a ela. Um companheiro saiu correndo e lhe trouxe a Bíblia, mas não era
isso que o agonizante queria. Outro teve a ideia de trazer a chave do sacrário,
também não deu certo. Foi então que alguém que conhecia melhor o doente foi
buscar agulha e linha. Agarrado a esses objetos prosaicos, o irmão passou mais
tranquilo para a vida eterna. Era o alfaiate da comunidade: sua chave para o
céu era a atividade diária, carinhosamente realizada para servir aos seus
irmãos.
A historinha nos leva a entender que o trabalho cotidiano do monge foi a
sua verdadeira chave para entrar no céu. Com certeza ele também devia ter
rezado muito, meditado bastante, talvez jejuado nos dias certos, e cultivado
algumas dezenas de outras virtudes. No entanto ele sabia muito bem que tudo
dependia de como ele havia exercido o seu maior serviço na comunidade.
O caminho da santidade pode passar por momentos extraordinários, gestos
de heroísmo, façanhas memoráveis; porém passa, em primeiro lugar, por aquilo
que fazemos bem ou mal no dia a dia. Todos nós reconhecemos que, em nossa vida,
é muito mais pesado o dever cotidiano do que alguns momentos de esforço,
difíceis sim, mas passageiros.
É por isso que João Batista, o precursor, deu respostas diferentes para
os diversos grupos de pessoas que lhe perguntavam: “O que devemos fazer?” Todos
deviam partilhar o que estava sobrando de suas roupas e de sua comida. A
solidariedade com os necessitados e carentes é o primeiro passo para iniciar
uma nova vida. Sem desprendimento não há verdadeira conversão. Depois o profeta
do deserto apontou escolhas diferentes para os cobradores de impostos, que
extorquiam o povo, e para os soldados que deviam aproveitar demasiadamente da
sua força e das suas armas. Significa que cada um deles, naquele tempo, como
também nós, hoje, devemos encontrar o nosso próprio caminho de conversão, a
partir do lugar onde estamos.
No entanto, nós adoramos apontar onde os outros deveriam mudar e o quê
deveriam fazer para dar certo. Mais uma vez é muito mais fácil criticar os
outros, ou declarar como nos comportaríamos se estivéssemos no lugar deles, do
que começar a corrigir e a melhorar a nossa própria vida.
Os exemplos não faltam. Muitos sabem perfeitamente o que eles fariam se
fossem o presidente ou o governador. No entanto poderiam começar a cuidar
melhor das suas famílias e dos seus negócios. Mal conseguem administrar os seus
lares; o que fariam se tivessem maior responsabilidade? Não muito diferente
acontece na Igreja também. Quem nunca quis dar conselhos ao padre, ao bispo e
ao papa? Com toda razão, talvez, mas nem sempre quem distribui sentenças aplica
os mesmos critérios para si mesmo. Com isso não quero dizer que não podemos
mais falar ou criticar. Ao contrário, a correção fraterna é evangélica e
salutar entre amigos e irmãos. Quando, porém, a crítica é estéril, ou é a
descarga de mágoas, invejas e frustrações, ela não serve nem para quem a recebe
e nem para quem a dispara.
De acordo com nossas responsabilidades, cada um de nós tem muito a
melhorar, simplesmente procurando cumprir bem o que se supõe seja o seu dever,
ou, ao menos, o seu trabalho cotidiano. Assim os pais poderiam caprichar mais
na educação dos seus filhos. Os educadores deveriam ensinar mais humanidade e
amor à vida própria e a dos outros. Quem julga, deveria julgar com justiça.
Quem administra, fazê-lo com mais honestidade e lisura. Quem comunica, buscar a
verdade e não o seu próprio interesse. Quem deve evangelizar também deveria
fazê-lo com alegria, entusiasmo e competência, deixando de lado outras
preocupações.
Todos precisamos nos agarrar mesmo às agulhas e às linhas de nossas
vidas. Fazer bem o que está ao nosso alcance, no dia a dia, sempre será a
melhor chave para entrar no Reino do Céu. Se isso ainda nos interessa.
Dom Pedro José Conti
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